Canal de comunicação do advogado e professor Marco Alexandre (conhecido pelos antigos por Kiko) a quem, oxalá, quiser manter contato.



domingo, 14 de março de 2010

Sobre Cuba

Ainda não fui a Cuba, mas tenho minhas impressões a respeito da corajosa ilha. Não sou daqueles que se alimenta apenas dos canais mais prestigidados da mídia brasileira para formar minhas convicções. Realmente não é muito. Apenas o mínimo para se reunir condições de, singelamente, pensar.
Ando preocupado. Especialmente depois que a Míriam Leitão arvorou-se no direito de sobre tudo opinar. Antes ela só falava de economia. Como muitos outros, Miriam Leitão desfruta da característica de tentar se passar por um articulista cuja principal qualidade é a neutralidade. Não bastasse a impossibilidade imanente de gozar dessa condição, o que essa insana pretensão revela, é muito menos isenção jornalística do que a manifestação quase eloquente de suas idiossincrasias pessoais, boa parte de delas de coloração política; bem definida, aliás.
Cuba é soberana, mais do que qualquer outro país que usufrua de importância equivalente à sua na geopolítica internacional. Soberana de verdade, pois inclusive seu povo assim se reconhece.
Certamente não é fácil se antagonizar com a maior potência econômica e militar da história, sobretudo se localizando há poucos quilômetros dele. Mais do que isso, manter amplo apoio popular, por mais de cinquenta anos tendo toda a indústria cultural global a seu desfavor, é tarefa para poucos. Isso sugere que a legitimidade do sistema político, que é a maior expressão da democracia majoritária, em Cuba, é muito maior do que a de qualquer dos países ocidentais, que contra ela apontam seus dedos a fim de dar sermões. E isso a par do embargo econômico e da usurpação do direito de se mostrar ao mundo. Ao mundo só propagam versões dos inimigos do regime cubano. Não se garante a Cuba o direito ao contraditório.
Enfim: realmente em Cuba se tortura, se julga, se condena e pune. E longe de qualquer poder jurisdicional. Só que isso tudo se dá numa certa base encravada na parte meridional de seu território, chamada Guantánamo.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Andei cá com meus botões pensando nas travessuras do atual presidente do Conselho Federal da OAB: Ophir Cavalcanti. Seu mandato representa a continuidade de outros tantos que o antecederam. Minha impressão, um tanto à distância, é que não há oposição capaz de colocar mínimo temor no grupo que exerce hegemonia a algum tempo na entidade.
Entre altos e baixos, minha percepção recente parece caminhar no seguinte sentido:o mandato do paranaense Roberto Busato, não foi grande coisa. Coisa distinta se passou com o Cezar Brito: postura austera; posicionamento intransigente frente a lesões às garantias indivuduais e prerrogativas de defesa; lucidez política, entre outras virtudes. Já Ophir Filho - pois seu pai, de mesmo nome, também já foi presidente do CFOAB - imbuído por certo sentimento salvacionista, muito em voga, aliás, tem se atrapalhado na condução das coisas. Não tenho autoridade para falar de sua história familiar, mas algo aponta para ser essa uma das razões de suas imposturas.
Enfim, muito melhor que o meu, recomendo o juízo feito por grandes advogados criminais brasileiros, dentre eles um dos maiores intelectuais brasileiros da atualidade: o Professor Nilo Batista.

Cada macaco no seu galho

Por Arnaldo Malheiros Filho, Eduardo Pizarro Carnelós, José Carlos Dias, José Luis Oliveira Lima, José Roberto Batochio, Nilo Batista, Paulo Sérgio Leite Fernandes e Técio Lins e Silva.

Não é fácil conduzir uma entidade com mais de meio milhão de filiados. A unanimidade é impossível e difícil é a consecução de maioria consistente a legitimar uma posição representativa, especialmente em assuntos que tenham qualquer tipo de repercussão política.

Vejamos a nossa Ordem dos Advogados do Brasil. Trata-se de instituição que tem uma função pública de autoridade, exclusiva dela, relativa à seleção e disciplina dos advogados, assim como exerce um papel protetor, de guardiã, ao assumir a responsabilidade da representação e defesa de todos eles.

Em paralelo a essas atribuições, cabe à Ordem - tanto quanto a tantas outras instituições e cidadãos - a tarefa de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos e a justiça social.

Como autoridade, a OAB exerce poder estatal; na atuação de representação e defesa da classe, cumpre um "mandato universal" de garantia dos direitos de postulação e de defesa - que na verdade pertencem às partes -, zelando pelas prerrogativas dos patronos de um lado e de outro. Já a função política há de ser exercida de acordo com a vontade legítima dos advogados do Brasil, ao menos de maioria expressiva deles, que se possa dizer representativa de um sentimento coletivo, atendendo aos preceitos básicos de garantia do livre exercício da profissão.

Tempos houve em que essa função política era exercida por meio de decisões do colégio de presidentes das seccionais e em conferências nacionais, considerando não só a opinião dos presentes, mas a ideia dominante entre os inscritos, o sentimento coletivo sobre o tema. Assim se evitava que a Ordem se comprometesse com posições que não fossem consenso entre os advogados. Nas conferências, o presidente do Conselho Federal tem o poder de retirar uma proposta de pauta, fazendo com que, sem rejeitá-la, não seja ela aprovada sem denso apoio dos advogados.

Isso ocorreu, por exemplo, com relação à legalização do divórcio, que somente recebeu o apoio da Ordem depois de muitos anos de tentativas feitas pelo advogado Nélson Carneiro, já que por motivos religiosos muitos profissionais relutaram em aceitar a ideia. O mesmo se deu com relação à proposta de legalização do aborto, que, se conta com uma boa parcela de apoio, sofre outro tanto de oposição, também em razão de confissões. Outro tema que dividiu os advogados foi o golpe de 1964, que contou com o apoio de número significativo de advogados e até mesmo de entidades como a Associação dos Advogados de São Paulo. A Ordem, prudentemente, calou-se, somente vindo a se manifestar quando era disseminada entre seus filiados a ideia de que é impossível a advocacia fora do Estado de Direito. Essa posição veio somente cerca de 15 anos após o golpe, quando, na conferência de Curitiba, a Casa encabeçou a bela campanha pelo "Estado de Direito Já!", nos termos da Carta aos Brasileiros, lida em 11 de agosto de 1977 pelo professor Goffredo da Silva Telles Júnior no pátio da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco.

A luta contra a ditadura, então, nos uniu a todos. Enterrada ela, percebemos o quanto eram diferentes nossos sonhos e projetos para o Brasil e lá se foi a unidade, como é próprio das democracias.

Mas o sucesso daquela batalha, que veiculava não só a voz de quase toda a classe, mas da população em geral, levou alguns dirigentes da OAB à ideia de que seriam, à sua moda, investigadores e corregedores-gerais do Brasil. Passou a Ordem, em certas gestões, a querer se imiscuir em tudo, assumindo posições que não se podem dizer da maioria e, o que é pior, tomando partido sobre causas afetas ao Poder Judiciário, nas quais há inscritos seus de um lado e de outro. É desnecessário dizer que, quando as energias são dirigidas para objetivos estranhos às finalidades de uma instituição, estas acabam desatendidas.

O fundo do poço - oxalá! - chegou com o pedido de prisão do governador Arruda, em que a Ordem se prestou a triste papel famulatório do Ministério Público, mandando às favas seus filiados que atuavam na defesa, que dela mereciam proteção e apoio.

No exercício de seu "magistério constitucional", o plenário do Supremo Tribunal Federal, seguindo voto condutor do ministro Eros Grau, assentou - sob o título "combate à criminalidade no Estado Democrático de Direito" - que "em nenhuma sociedade na qual a desordem tenha sido superada admite-se que todos cumpram as mesmas funções. O combate à criminalidade é missão típica e privativa da Administração (...), através da polícia (...), e do Ministério Público". A alocução era dirigida a juízes que se veem como combatentes do crime, mas vale para todos, pois a alternativa seria a aceitação dos "justiceiros", que também são combatentes do crime.

As atribuições políticas da OAB são institucionais e não lhe é permitido pessoalizar. Ela pode, sim, pedir que o Estado se empenhe na luta contra a corrupção, mas não é função sua instigar a prisão de um homem - qualquer homem -, pois não lhe toca intrometer-se em procedimentos judiciais em que seus filiados atuem.

Mas a nossa entidade, para piorar as coisas, não só se deu a esse desvio de finalidade como ainda foi a juízo pedir o bloqueio dos bens de Arruda! Obviamente, tomou um decreto liminar de ilegitimidade de parte. Belo exemplo para os advogados do Brasil! Aliás, seria uma pergunta fácil no próximo Exame de Ordem: "Quem tem legitimidade para pedir em juízo o bloqueio dos bens de outrem?" É básico.

É triste ver nossa Casa, por uns segundos na televisão, por louvaminhas generalizadas e aplauso fácil, deixar de honrar seu compromisso maior com a liberdade e violar a regra de impessoalidade, ao pedir a prisão de um cidadão determinado, lavrando em seara que não lhe compete, especialmente quando há tanto por fazer no que lhe cabe.

[Artigo originalmente publicado na edição desta quarta-feira (3/3) do jornal O Estado de S. Paulo.]

terça-feira, 9 de março de 2010

Saudações

Inicio, um tanto sem jeito, minha participação no universo dos blogs. Faço-o porque me atrai escrever e pensar. Também por ter encontrado certa dificuldade em encontrar um blog que me forneça aquilo de que diariamente preciso em termos de ideias.
Mudando de assunto, parece inegável o potencial que esse tipo de instrumento ostenta. Trata-se, talvez, de um canal onde se possa realizar o vatícinio de Kant: a realização da razão pública, ou o uso público da razão, apesar de seu idealismo.
Se tudo transcorrer como (não) planejado, logo divulgarei essa nova empresa, especialmente para meus alunos. Assim a iniciativa poderá se converter num privilegiado canal para nossa comunicação. Aflige-me um pouco não poder disponibilizar textos nesse local. Preciso consultar-me para aprender como resolver essa questão.
A tendência é que os escritos que aqui se forem depositando cuidem de problemas cotidianos. Envolverá, como sugere o nome, questões pertinentes ao problema penal. Isso não traduz que apenas as dogmáticas penal e processual serão privilegiadas. A questão penal ou o problema criminal relacionam-se com uma totalidade muito mais abrangente, sintetizável, talvez, através da ideia de violência. Que pode ou não ser criminalizada, ser produto do desvio ou voltar-se contra este.
Desejem-me sorte.